Por: André Luiz Rabello Vianna, Diretor da FAVIANS - Consultoria em Segurança; Coronel da Reserva da Polícia Militar de São Paulo, Doutor em Ciências Policiais pelo Centro de Estudos de Aperfeiçoamento e Segurança Superior, onde também é professor de Direitos Humanos. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais e Pós-Graduado em Direitos Humanos pela Universidade de Direito da Universidade de São Paulo - Brasil. andreviannabr@yahoo.com.br
Originariamente os Direitos Humanos tinham o condão de limitar o poder dos Estados sobre seus concidadãos. Tendo como marco mais recente a Declaração Universal dos Direitos Humanos (10/12/1948), que originou vários tratados internacionais nessa área, trazendo consigo obrigações para os Estados signatários destes.
Todavia o desenvolvimento industrial e a globalização permitiram a expansão e o aumento do poder econômico de muitas empresas, que hoje são conglomerados transnacionais de grande influência com campos de atuação em várias partes do planeta e em diversos segmentos: extrativo; alimentício; têxtil, tecnológico; entre outros, impactando empregos, renda para grande parte da população local e afetando o ambiente de modo geral.
Atualmente, o poder econômico das multinacionais ultrapassou as economias dos Estados. Em 2002, um estudo indicou que 29 das 100 maiores economias do mundo não advinham dos países, mas sim das empresas transnacionais.[1] Em 2017, outro estudo indicou que 69 das 100 maiores instituições econômicas do mundo são empresas e apenas 31 são países. [2]
Fica evidente a grande influência que essas empresas, cada vez mais, têm nas vidas das pessoas.
Face ao exposto, a ONU busca envolver as Empresas, juntamente com os Estados, para respaldar os Direitos Humanos. Neste sentido, seguiram-se algumas fases:
Assim, até o momento, não existe tratado internacional que vincule as empresas à proteção e respeito a esses direitos.
O Brasil, a fim de se adequar aos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos[3] (2011), em 21/11/2018 inseriu no seu ordenamento jurídico o Decreto n.º 9.571/2018, estabelecendo as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, em conformidade com os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos. E mais recentemente o Conselho Nacional de Direitos Humanos através da Resolução n.º 5, de 12 de março de 2020, que dispõe sobre Diretrizes Nacionais para uma Política Pública sobre Direitos Humanos e Empresas.
Independentemente dessas normativas não vinculantes, algumas empresas já adotam conduta de Responsabilidade Social Corporativa[4], como por exemplo nos casos do Código de Ética do Grupo Pirelli[5] e dos Princípios Nestlé de Gestão Empresarial[6], que se comprometem em respeitar os direitos humanos.
Isso contribui para a formação de uma boa reputação corporativa que agrega relevante valor que conforma a diferença de uma empresa para outra.
Por outro lado, empresas que desrespeitam os direitos humanos, violando leis trabalhistas ou estando vinculadas a trabalho análogo ao escravo podem ter seu nome relacionado na “lista suja” do governo brasileiro, resultando em reputação negativa, possíveis boicotes pelos consumidores, eventuais responsabilizações cíveis e criminais, indenizações e redução de seu valor no mercado.
Ou ainda, há casos de empresas que deixam de realizar a adequada análise de risco, prevista nos Princípios Orientadores sobre Empresas e Diretos Humanos, como aconteceu com os notórios casos de desastres ambientais e socioambientais em Mariana[7], em 05 de novembro de 2015 e em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019. Neste último episódio a Vale registrou a perda do valor da empresa em aproximados R$70 bilhões[8], sem contar os custos bilionários em indenizações que ainda vem sendo pagos.
Para o exemplo anterior, cabe apontar os Princípios Voluntários sobre Segurança e Direitos Humanos (PV), criado em 2000 pelos governos do Reino Unido e dos EUA, ONGs internacionais e empresas da indústria extrativa, que incorpora os principais acordos internacionais sobre direitos humanos, destaca o papel que as empresas devem desempenhar na promoção do respeito pelos direitos humanos através das relações com o governo e a segurança privada e fornece a referência central das normas que orientam a segurança e a gestão dos direitos humanos para a indústria extrativa.
Os Princípios Voluntários abrangem três elementos chave:
Por último, vale mencionar o Código de Conduta Internacional Fornecedores de Serviços de Segurança Privada[9](ICoC), criado em 2010 através de uma iniciativa de múltiplas partes interessadas convocadas pelo governo suíço. Este processo envolve representantes de empresas privadas de segurança, estados e organizações da sociedade civil. O código reforça e articula as obrigações dos prestadores de segurança privada nomeadamente em matéria de direito humanitário e o direito internacional dos direitos humanos. Hoje ele é amplamente aceito como as melhores práticas a serem implementadas ao lidar com as Companhias Privadas de Segurança (CPS).
Deve, portanto, ser usado como um documento de referência e o benchmark de como as Companhias Privadas de Segurança devem se comportar, sobretudo no sentido de não comprometer o contratante como cumplice, ou gerar qualquer responsabilidade solidária para o contratante, seja ele de que porte for.
No final de 2019 foi realizado um evento[10] com o objetivo de debater as principais questões de direitos humanos relacionados à segurança privada, nessa ocasião, foi abordado que na mídia brasileira há um histórico de casos graves de violência cometidos por profissionais da segurança privada no país. Dentre esses casos que foram a mídia estão registradas 34 ocorrências e 59 vítimas, mas supõe-se que esse é um número muito menor do que o real, tendo em vista possíveis casos que não foram divulgados ou subnotificação.
Eventualmente esses casos podem resvalar a imagem da empresa contratante, ou ainda gerar uma rescisão contratual da Companhia Privada de Segurança, como lamentável caso ocorrido em um supermercado na cidade de Porto Alegre, em 19 de novembro de 2020, onde dois seguranças de uma empresa de segurança contratada agrediram um cliente, de cútis negra, levando-o a óbito[11]. A rede de hipermercados, que tem um Código de Conduta[12] onde se compromete a respeitar e promover os Direitos Humanos, veio a publico se retratar[13], informando da rescisão contratual com empresa de segurança e fechando a loja onde ocorreu o episódio, no dia seguinte, que, por uma infeliz coincidência, foi o "Dia da Consciência Negra"[14], no Brasil. Apesar da nota de retratação, surgiu uma onda de boicote à rede de hipermercados, no país, bem como saques[15].
Tramita no Congresso Nacional o Estatuto da Segurança Privada, que se encontra parado no senado desde 2016[16]. O projeto de lei é fundamental para responsabilizar criminalmente empresas e agentes que cometam crimes, como o acima mencionado, no Carrefour em Porto Alegre. Além disso, o texto busca garantir que só profissionais devidamente treinados, certificados e com todas as obrigações legais atendidas possam atuar na vigilância patrimonial ou de valores. Para funcionar, as empresas precisarão de autorização da Polícia Federal[17].
Proteger, promover e respeitar os direitos humanos de forma vinculante constitui-se de fundamental importância, não só para os Estados, mas sobretudo para as empresas, que como se evidência, impactam, cada vez mais, as vidas de todos nós.
Por isso, quando de trata de empresas e direitos humanos, há a necessidade de due diligence[18], sendo necessário constante avaliação de riscos a esses direitos, objetivando mitigar quaisquer possíveis danos a quem quer que seja, e quando esses vierem a ocorrer há necessidade de fortes e transparentes mecanismos de responsabilização, reparação e indenização.
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